segunda-feira, março 02, 2009

na Hélade em busca do passado

Edição da Liga dos Amigos da Casa-Museu Maria da Fontinha - Além do Rio - Castro Daire

Julho de 2004





Dodona

Ainda se vêem as colunas
Erectas e intactas
De há tantos sóis.

E derramadas
Em ordem e na desordem
As artes
E as armas,
De tantos artistas
De tantos heróis.

Perfumadas ervas
Silvestres
No chão dos carvalhais
Adornam
As bases de colunas caídas
Pela ignorância dos homens
E pela força dos temporais.

De flores faço uma coroa,
E espero
Que sobre a pedra lavrada
Apareça o atleta
Dela merecedor.

Passaram já tantos sóis…





Meteora

Vacilo entre a luz e a sombra
Entre o real e o sonho.
Não sei o que é e não é.

Só sei que é belo!

E isso me basta
Para seguir em ascese.






Antínoo

O raio de sol penetra na vidraça
Do Museu
Onde paraste tu. E eu.
Incide a luz no teu peito,
Correcto, desnudo,
Sobre o qual pendem
Os anéis do teu cabelo.

Vê-se que foste esculpido
Com cuidado e desvelo
Para agradar ao amante
Senhor do mundo de então.

Adriano era forte, imperador
E não ocultava as tendências
Do seu amor
Por ti.

Provou-o mil vezes
Após a tua morte.
E desta sorte,
O teu peito e os teus cabelos,
Vejo por aí.

Aqui, ao teu lado, “omphalo”
É o centro do mundo.
E eu toquei-lhe,
Para me certificar
E poder agora descrevê-lo.

Adriano amou-te de verdade
No soturno da noite
E na ensolarada claridade.






No Parnaso

Quis subir a este monte
Olhar Delphos de nascente
Apreciar Tholos
E ouvir as muitas falas
De tantas gentes.

O vento fez-me a vontade
E cheirei a urze no Parnaso
Saboreando a brisa
Que vinha do mar.

É ali o “omphalo”,
Ponto onde o mundo se sustém,
Preso ao loureiro de Apolo.

E em tudo é ele quem manda
E tem.




Fim

A Pítia, em transe.
O ar pesado
As palavras altas e graves
A atenção cuidada.
Para o seu entendimento.

Sombras que perpassam
E deambulam – sente-se –
Entre as paredes do Templo.

O vento, o vento
Movimenta as folhas do loureiro.

Apolo está pálido
Pelo que responde o oráculo.

Foi a última resposta
A última pergunta.

Depois, as sombras totais.
A via sagrada solitária.

As respostas vêm agora de Roma.





Fonte de Castália

Sob o Parnaso,

A música da água
Ressoa
Nas pedras gastas
Das abóbadas das crateras.

Os cantares das “Castálides”,
Que chapinham e riem,
Soam a primaveras.
Sinfonia
Que sai
Dos fios que correm
A saciar sedes…
De quem chega
E de quem vai.

Para Ti Castália,
Por culpa de Apolo.



Em Delphos

Tantos séculos a trazerem prendas,
Jóias, cartas, artes, oferendas
De todas as partes da Hélade.

Tantos sacerdotes e sacerdotisas,
Tantos milhares de oráculos preocuparam
As orações das pitonisas em êxtase.

Tantas as vigílias, milhares os debates
E os cuidados ambíguos nas respostas.

Destas só uma, certa, lhes foi dada
Que tarde, muito tarde, compreenderam.

O oráculo agora era em Roma.
E vaticinava a partilha do mundo

Como os grandes senhores o fazerem agora.




O “omphalo”

Após tanto andar
Por tão variados mundos
Sou aqui chegado.

Ouço as histórias
As consultas
E as respostas da Pítia
As guerras
As derrotas e as vitórias
As honras
As desgraças
E as glórias.

Toco o centro do mundo
- O “omphalo” –
Umbigo, sem cordão,
Há muito cortado.

E nesse ponto,
Entre o nascer e o pôr,
Entre o sul e o norte,
Permaneço.

A ninguém cedo o lugar.
Para sempre ficar
Vivo
Mesmo na morte.

Por todo o tempo
Neste espaço.



No “Tholos”

Perante o “Tholos”
Fico quedo e cego
Alheado de tudo o que é real.

Só assim subo
No tempo
Ao Templo
Celestial.


Ruína

O silêncio do cipreste,
O rumor do carvalho,
A luz da oliveira,
O cheiro do loureiro.

Nada mais é preciso.
Basta uma coluna erecta
E pedras milenares
Espalhadas pelo chão

Para saciar
A sede e a fome,
Da magia do passado.

E ficar a conhecer
A história de todas as histórias.

….

Melhor ainda,
Se uma flor estiver aberta
E se um bando de pássaros

Voar na direcção do Parnaso.



Acrópole de Atenas

Aqui aprendi com Athena
A plantar a oliveira
Que deu óleo para alumiar o mundo.

Como o sol…



Sócrates

Por ser enorme no carácter
E na modéstia,
Sem sequer saber escrever,
- Teve discípulos, não para ensinar
Mas para aprender -,
Nunca morreu.

Não o matou a sicuta,
Pois vejo-o ali
A passear
E a conversar
Na democracia filha da puta
Desta outra (pretensa) Atenas.

E assim há-de continuar.



Na Ágora de Atenas

Aqui vesti minhas túnicas
De cor púrpura.

Raspei a barba hirsuta
Dos longes.

Desenrolei códices de
Indecifráveis idiomas
E ouvi as palavras
Doutas e profusas,
Dos sábios.

Era o V século
Cume do pináculo do saber.

Tudo adornado pela Arte.

Nomes para quê?
Eram tantos
E ainda hoje os repetimos.

Só eu volto como cheguei:
Sem púrpura, com barba, sem
Códices e sem aprender nada,
Que eu saiba.

O meu deus é porém Sócrates
E Platão é meu irmão.
Só que eu “não sei que nada sei”.



Os Frontões e os Frisos

a Melina Mercuri

Leio a história do templo
Atena deixou-o vazio,
Sem alma.

Depois do castigo do fogo
A calma.

Mas Atena
Ao Templo voltará
Quando voltar
O que dele foi roubado
Por Mr. Hlgin

Lutaste Melina!

Quem o faz agora?




Escultura Grega

A Míron, Frídias e Praxíteles

O escultor
Não usou escorpo nem cinzel
Naquela sublime criação.
Deu calor ao corpo da pedra dura
Com o calor do seu próprio corpo.
Abraçou-a.
Com carícias e sopros lânguidos e mornos
Tornou a pedra macia
Dando-lhe as formas que sonhara e sabia.

E com tanta leveza
Que os teus pés não pisam terra ou pedra,
Sustendo-se na espuma das ondas.

Resultou, por fim,
A beleza
Da estátua
Nascida da união da arte e do amor
Na ascese
Da alma do escultor,
A atingir a forma pura…

… Insuflando da dele, vida à escultura.




Colunas de Súnio

A claridade
A flor
O mar
E o vento.
Tudo é força e presente.
Como presentes estão
As colunas de Súnio.

Todos verdadeiros
São.

Mesmo no infortúnio.



Ilha de Egina

Athena Aphaia
Busca o céu
Alto, no alto de Egina.

E daquele alto, o alto
Templo pagão
Contempla
O chão, a oliveira
E o mar.
Imanência divina.
Consentida por Deus.




Em Aegina

A Sophia de Mello Breyner Andersen

Os elmos resplandecem à luz do sol.
Os cavalos levantam a crina.
A cigarra emudece de repente.

Claridade, beleza, vida.

Tudo me lembra Sophia, em Aegina.


Corona Borealis

Não fora o amor
De Ariadne por Teseu.
Os belos jovens de Atenas
Teriam sucumbido.

Por ser ela cruelmente
Abandonada em Naxos
Buscou a morte, por remédio.

Salva foi pelas Ménades
E pelo belo jovem de tranças de hera

Que por ela nutriu grande paixão:

Dióniso que a amou até à morte.

E a transformou em bela constelação.



Samotrácia

A ilha não tem maior significância,
Se não a maior:

A da Vitória!




Korinto

Da tua Acrópole
Emergiu a voz
Do Mensageiro
Trazendo novas
Doutro Deus
Verdadeiro.

Ruíram colunas e Templos.
E a voz estendeu-se
Pelo mar sereno.

A palavra de Paulus
Ouvida e sentida
- Vestida de amor –
Ecoa agora
Como “Palavra do Senhor”.

E refazem-se as pazes
Entre todos os deuses.

Porque Deus quer.





Hermes

Parado em Olímpia
Longe do teu Monte Cilene
E da tua Arcádia.

A lira que tanto amaste
Trocaste com Zeus.

Se não tinha-la tocado
Ao longo do rio Estige,
Nas viagens de Caronte.

Em Olímpia,
Procuro os cachos de uvas
Que finalmente
Deves a Dióniso.

Saberás onde encontrá-los
Com a tua mágica vara
De tranças de serpente
Que te leva onde queiras.

Todos aguardam Praxíteles
Para completar a tua beleza,
Mutilada, Hermes de Olímpia.
Como Praxíteles te fez belo!




Sonho

Em Skilúndia vi o retrato do vazio
e o silêncio a correr.

E isso me bastou.



Templo de Skilúndia

Com o cantar próximo da cigarra
Acordo
Para ver o sol a pino.

O aroma da esteva
Penetra e vence a minha indolência.

As pedras douradas
Recebem-me em abertos sorrisos.

As últimas colunas, caídas, submissas,
Observam-me.

São estes o tempo e o espaço
No cimo deste Monte. Skilúndia.

Silêncio.
Silencio também.

Estou agora no meu reino
Enquanto tomo conta do Templo
De Athena.

E aqui permaneço
A levantá-lo
Pedra a pedra, em pensamento,

Enquanto não for o
Tempo do regresso
E o canto da cigarra
Não esconder o sol.




Skilúndia II

Neste lugar, hoje ermo
Sagrado à deusa Atena
Venho
Desta vez só.

Procuro a tartaruga
Que da primeira vez alimentámos
Neste solo que madruga
Sentado
Sobre a pedra onde amámos.

Sinto a tua presença.

As minhas mãos quase o halo prendem
Que se estende em liberdade.

Segue-se o silêncio
Longo
O vazio deambula sobre os alicerces do templo.

Beijo a nossa pedra.
Digo “amo-te”. E parto.

Até sempre, Skilúndia.






Partida da Grécia

De Patra,
Parto da minha antiga Pátria.
De Patra,
Parto para a minha Pátria.

Desta terra
Deste mar
Partiram antes,
Para outros mares,
Para todas as terras,

Os mesmos homens
Das minhas Pátrias.

Para que nascessem
Outras, muitas, Pátrias.




Ítaca ao Entardecer

Um halo lilás
Cobre os cumes
Das longas montanhas.

São reflexos de lírios
Silvestres e macios,
Que as Primaveras
Semearam
E as nuvens sorveram.

O resto és tu
E Odysseus.
Inteiros.



Ítaca

Porque li sobre ti, Ítaca
Vidas que há muito
Sulcaram os teus mares.

Compreendo este uivo dos ventos
A encobrir o canto das sereias,
Sob a inacabada teia de Penélope,
Onde parecem dormir
As mensagens que semeias.

Ato os pensamentos
Aos ferros da proa do barco,
Enquanto as sementes germinam
E os ventos desatinam
Para outro porto,
Onde finalmente embarco.

Passei por ti, Ítaca.
E não pude abraçar-te.


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