quarta-feira, março 04, 2009

para além do rio

Edição da Liga dos Amigos da Casa-museu Maria da Fontinha - Além do Rio - Castro Daire
Maio de 2004


Aurora…

O Sol Sorri


Acorda, meu amor!

Olha os cumes nevados lá na serra.
Escuta o vento nas folhas dos carvalhos.
Sorve a brisa do seio da minha Terra.

Neles me encontrarás!


Sempre


Alberto José "Lírios e cerdeiras"




Saudade

Na alma cai o verso.
E da pétala o orvalho.
Orvalho e alma são mágoa.
Verso e pétala

voam

ao teu encontro.

Alexandre Serra e Arménio Vasconcelos "Muro da Saudade"



Maria da Fontinha

Chego ao campo sagrado
Onde repousas e, como por encanto,
Sinto o teu vulto, ouço o teu canto,
Avó, que a morte me há levado.

E tudo se transforma em ti:
Na tua voz, no teu conselho,
No teu cuidado, na ternura do teu olhar.
Curvo-me, choro e na terra ajoelho.
Por ser em Ti crente.

Que pena não saber rezar!



Maria Alcina "Maria da Fontinha"



Pai


As cerdeiras estão nuas.

As folhas caíram
Como lágrimas

E entapetam
E amaciam os teus passos.

Que saudades, Pai.
Dos teus conselhos.
Dos teus abraços.

Dos teus anelos.

Da tua voz.
Do teu riso.

Que sempre ecoam
Em cada folha
Que piso.

São tantas as saudades, Pai,
Que, para minorar as penas,
Caminho horas sobre a folhagem,

A dizer-te poemas.



Maria Alcina "Imagem sobre a folhagem"



Era Setembro

Sobre nimbos de alvas névoas,
Debruçado sobre a Paiva,
Abracei um arco-íris.
Colhi-o.
Fi-lo só meu.
E com ele enlacei
A rosa branca que levava
Aos teus cabelos negros
Como a noite.

Mas a chuva caiu
Pelos caminhos.

E o arco-íris desfez-se.

Mergulhei, na escuridão.

E senti frio,
Muito frio.

Até que chegou a madrugada
Diáfana e pura,
E vi pétalas brancas voando ao vento.

… Se pudesse, dava-te um rio…



"A Paiva"


Cereja Carmim

Quero que guardes nos lábios
O sabor das cerejas,
Para darmos
Beijos vermelhos
De trespassado carmim,

- Com fragrância de feno e terra arada - .

E, desatando os rios que sustemos,
Colhermos lírios lilases,
Voarmos sobre as cerdeiras,
De mãos dadas

… em viagens aladas.

Partitura Cerejas Carmim



Maria Alcina "Cerejas carmim"

Em São Martinho de Anta

Adolpho morre.
Mas ele voltou!
Rocha
Que em MIGUEL se tornou.

Está parado, agora.
Mas não silenciado.
Traz a urze lilás ao peito.
Naquele lugar onde brincou.

A contemplar
A grandeza do TORGA
Que criou!

"Anta"

"Campa com torga"


Federico

ao poeta Ségio Gerônimo

Tu e Cervantes
Disseram de Góngora
O que eu penso de Ti:

“Es aquel agradable, aquel bienquisto,
aquel agudo, aquel sonoro y grave
sobre cuantos poetas Febo ha visto.”

Garcia

“O eco do teu grito
va de monte
a monte.
Desde los olivos
será um arco íris negro
sobre la noche azul.
¡ Ay! … ”


Lorca:

Serafins
-Não sei se os aceitas… -
Tocam trombetas
Pelos vales sem fim.

Anunciam desditas:
Um acto torpe
Final.
Todos te pensam.
Todos te choram.
Silêncio total.

Silvam as balas.
O dia escurece.
O teu corpo esmaece…

Tombaste.
Para o chão de Granada,
A rosa vermelha
Largaste.
Da mão.

No chão de Granada

Tu e a rosa,

No chão.

Tu, inteiro, nu.

E a rosa.

É só o que se vê

Na escuridão.


E o teu sorriso.

"O sorriso de Lorca"


Livre

a Agostinho da Silva, filósofo.

Calmo. Livre. Sereno.
Não tinha sequer
Cartão de contribuinte.
Ou documento qualquer.
Da quantidade
- Que eu também detesto –
De inócuos indivíduos,
Com cartões de papel pardo,
Onde eu também estou.

Penso que foi feliz.
E que essa realidade
Lhe bastou.
Por não ter sido contado
Entre os escravos
Que também sou.

"Liberdade"

Torga

Fui parido na Montanha.

Num casulo entre horizontes
De altas cumeeiras
Nevadas.

Pinchei sobre fragas e penedos.

Tomei o gosto da carqueja
Do tojo, da urze, da giesta.

Bebi a água cantante
Dos córregos e das
Levadas.

Vagueei por outros mundos.
Por longínquos horizontes.

Mas certo é ser nestes montes,
De granito,
De xisto,
Que existo.

E quando medito,
Homem,
Português
E vagabundo:

Vejo-te, Torga,
Do tamanho do Mundo.


Alfredo Baptista e Arménio Vasconcelos "Monumento a Torga"

Regresso à Fontinha

ao Tio Alfredo
(filho da Maria da Fontinha)

Fugi hoje da cidade e vim ao monte
Matar tantas saudades de criança.
Aqui me acenava um Arco da Aliança,
Entre o agora e o então, como ponte.

Chegado, corri ao “Fragal” e à “Covinha”
Como se fosse jovem que não se cansa.
Saltei vales, fragas, regatos, na esperança
De mitigar tanta sede da Fontinha.

É daqui que escrevo. E toda a água,
Juntinha à que me cai de tal mágoa,
À minha ressequida boca, sedento, levo-a.

Fazendo com minhas mãos um pucarinho.
Todo eu sou tojo, urze, giesta, rosmaninho.
Adeus cidade… já só és bruma e névoa!.


Carlos Reis "Casa cimeira da Fontinha com cerdeira"

Em Delfos

para Elvira e Armando Jorge


Na Fonte Castália me purifico.
Ao longo da Via Sagrada,
São audíveis arfares
De deuses anafados.
Suores escorrendo
Por frontes desnudas.

Apolo presente!

Um halo contorna os montes
Uma águia voa ao acaso
E grava do Parnaso
Urzes, águas. Fontes.

Pítia sibila-nos
Respostas labirínticas
Que lê nos densos vapores.
No Estádio, multidões
De toda a Hélade
Aclamam os seus vencedores.

Tudo cheira a frutas e a mel
De Mileto

A luz é de lírio que no caso esmaece
Do pó das corridas os atletas se livram
O meu “laurus nobilis” beijo e agradeço.

Na Fonte Castália me lavo, bebo e converso

Na Fonte Castália
Purificado, por fim.

A Delfos
Digo adeus.


Parto
Para sempre
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"Tholos"

"Templo de Apolo"

No Teatro do Epidauro

a Sophia de Mello Breyner Andresen *

Neste lajedo
Milenar,
Solta-se-me a imaginação
E o poema.

*Que sobem em passo certo
Por todos os degraus.

Ouvindo o eco da alma,
Voo para o alcançar
Até ao alto do céu,
Onde,
Músicas sublimes,
De flautas e liras,
Se casam
Com palavras sagradas,
Clássicas, antigas, gastas e vivas.

E ouvem-se tão bem!

que espero
O eco do eco…


"Teatro do Epidauro"

"Colunata"


No Fim da Viagem

(…da minha viagem…)

No fim da viagem
- Do tempo e do espaço -
Deixarei de escrever versos
Diversos, dispersos
- Às vezes adversos –
Como agora faço.

Ouvi-los-ei cantados
Pelos ventos, na aragem
Que tocará nos telhados
De lousas casadas
De todas as casas
Da aldeia inteira

- Em todas as noites de todos os dias -

No fim da viagem
- No fim desse tempo e de espaço tão certo -
Com um sorriso eterno
Versos ouvirei do lume da lareira
Com um manto coberto
Todo escondido
Entre flores de cerdeira.


Ney Tecídio "Viagem pelo Outono"



Energia


O homem sonha, ama, pensa, cria.
Porque dotado de cósmica energia.
Mesmo antes de nascer… já ele vivia.
E após morrer, renasce dia a dia.


Por toda a eternidade…



"A força da Natureza"

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